domingo, abril 27, 2008

Os Cátaros

A heresia Cátara, foi a mais importante dissidência da Igreja Católica na Europa durante os séculos XI e XV.
Frontalmente oposta à Igreja oficial, poderosa e mundana, que se havia despojado por completo da mensagem evangélica, agarrada a uma teocracia pontifícia, dogmática, assenhoreada da verdade irrefutável, com o predomínio absoluto da Santa Sé sobre o poder temporal, encontrava-se a autêntica Igreja de Cristo, fiel seguidora da vida apostólica, cujos princípios evangélicos predicava sem cessar e, que era vítima das perseguições que Jesus Cristo, havia anunciado aos seus seguidores: «Se a mim me perseguiram, também a vós os perseguirão»

Sem dúvida, apesar de se enfrentarem tão radicalmente, ambas as igrejas eram cristãs.

Os cátaros eram seguidores inequívocos de Jesus; justificavam a sua predilecção nas Sagradas Escrituras, com especial ênfase por João; muito próximos do cristianismo primitivo, observavam em grande parte os seus rituais e práticas e o modelo de organização e por último, propunham um modelo de salvação baseado na recepção de um único sacramento, a extrema-unção, o consolament.
Faziam outra leitura da Bíblia. Em contraste com o princípio do catolicismo - «Um só Deus, pai todo poderoso, criador do céu e da terra», conforme o estabelecido no concílio de Niceia de 325, o catarismo afirmava a existência de dois princípios originários, opostos e irreconciliáveis. O Dualismo cátaro opõe a Deus, autor da espiritualidade e do bem, Satanás, autor da matéria e do mal. Com os cátaros, temos dentro do cristianismo, uma reformulação alternativa de algumas crenças cristãs fundamentais, como a criação do Mundo, a figura de Jesus Cristo, o inferno e o paraíso, o fim dos tempos.
Na sua procura de respostas para a origem do Mundo e ao problema do mal, os cátaros distinguiram duas criações, uma boa outra má. A primeira criação foi obra de Deus verdadeiro, era incorruptível e eterna: a segunda, em oposição, era obra do Diabo, e continha todas as coisas vãs e corruptíveis.
Os cátaros procuraram na Bíblia a explicação sobre a origem dos tempos. Assim, afirmavam de modo conciso, que a obra do Deus bom não pode ser destruída nem deixar de existir. «É entendido que tudo o que Deus faz dura para sempre». Por sua parte, o antagonismo, o deus malvado, corruptor de uma parte dos espíritos celestiais, era o criador do Mundo de um mundo corruptível, integrado pela terra e do o que contem: o universo, o mar, as montanhas, os animais, as plantas, os seres humanos. Para os cátaros, os homens eram uns corpos de carne – concebidos também como uma espécie de túnica de pele – criados pelo deus do mal no mundo efémero, corpos em que os anjos caídos do paraíso estão condenados a permanecer encarcerados para sempre.
Para os cátaros, Deus não podia assistir impassível à condenação das suas criaturas, acabando por enviar à terra o seu filho, Jesus Cristo, que era concebido como um ser puramente espiritual, dotado de uma simples aparência humana. Para eles, Cristo tinha duas missões, uma, arrancar os anjos caídos do esquecimento permanente em que viviam, outra oferecer aos homens o consolament, o sacramento da salvação, que garantia a salvação.
Assim para os cátaros, a história da humanidade, o triste desvario de homens e mulheres neste baixo mundo, não teriam outro objectivo que não fosse a salvação sucessiva dos uns espíritos caídos que, no caso de não terem recebido o consolament no momento da sua morte corporal, se viam obrigados a dar voltas de um lado para o outro consumidos pelo fogo de Satanás e, não conseguiriam um momento de repouso até encontrarem outro corpo para viverem uma nova existência: é a crença cátara da metempsicose das almas.
E neste sentido, o fim da história da humanidade – é decidir o fim dos tempos – que aconteceria quando se salvasse o último dos espíritos seduzidos por Satanás, encarcerado na carne corruptível do corpo humano. Para os cátaros não havia juízo final, nem tão pouco inferno, porque na realidade, inferno maior que este baixo mundo, não podia haver, que deveria ser destruído e regressar ao nada de onde tinha vindo.
Sem dúvida que a heresia só podia ser curada com a fogueira, onde todos os seus princípios fossem reduzidos a cinzas, dispersas pelo vento. A proximidade dos princípios religiosos com as filosofias orientais é mais que evidente, ainda que manifestada de uma forma mais ortodoxa do que espiritual, não deixa de transparecer todos os fundamentos da espiritualidade da manifestação do Mundo. Ela opõe ao preconceito dogmático da exigência, fundamento da Igreja Católica, a liberdade da salvação, subtraindo-lhe os aspectos apocalípticos, pela bem aventurança da escolha entre o bem e mal, como condição de regressar ao nada de onde veio. Na essência, temos Sidarta; (manifestação) os anjos caídos, (Samsara) a reencarnação sucessiva dos espíritos caídos, (Karma) o comportamento, (Nirvana) regressar ao nada de onde veio a emanação.
Nem sempre o Ocidente andou tão longe da verdadeira espiritualidade, como hoje acontece, apesar de já não haver Inquisição, ou será que anda por aí disfarçada? O radicalismo religioso é muito perigoso, normalmente empurra para a intolerância, que era o lema dos inquisidores.

segunda-feira, abril 21, 2008

O Outono

Marco Túlio Cícero atingiu o ponto máximo da sua obra filosófica com as suas obras: Sobre os Deveres e Sobre a Velhice.
Em Sobre a Velhice, Cícero faz a apologia da velhice, descrevendo uma conversa (reportada a 150 a.C.) entre o velho Marco Pórcio Catão e dois jovens amigos, um dos quais se tornaria mais tarde o célebre Cipião-o-Africano, o Moço. Catão com 84 anos, é representado como um velhote feliz a quem os anos não puderam curvar. Para ele a velhice não é um período de inutilidade, uma idade vazia e sem alegria, mas o tempo da maturidade, da meditação serena, uma preparação para o eterno repouso, que ele encara sem angústia. Catão na sua conversa contrapõem às censuras feitas à velhice.

Em primeiro lugar, pretende-se que ela torna as pessoas inaptas para o trabalho.

“ Quanto à falta de vigor físico juvenil, não o invejei agora, como não invejava, quando adolescente, a força de um touro ou de um elefante. Importa fazer uso do que se tem e agir em qualquer caso de acordo com as suas forças.”

Segue-se a censura que se faz à velhice ao pretender-se que é desprovida de prazeres.

“Belo presente da idade se realmente nos tira o que a juventude tem de mais censurável! E como a natureza ou qualquer divindade não deu ao homem nada de mais belo do que o pensamento, esta divina dádiva não tem pior inimigo do que a voluptuosidade. Na realidade, quando domina a voluptuosidade, não há lugar para a temperança e de uma maneira geral não há lugar para a virtude.”

Há ainda uma última acusação: um velho deve aguardar a chegada da morte a todo o instante. Em primeiro lugar, o facto é válido para todas as idades. Além disso, é mais penoso morrer na Primavera da vida do que no seu Outono. A morte é uma felicidade para quem acredita na imortalidade da alma.

“Não me cabe a mim lamentar a vida, como o fizeram muitos homens, mesmo cultos (…) saio da vida como de uma pousada e não como da minha verdadeira casa (…). Oh que bom dia será esse em que me hei-de dirigir a essa assembleia divina constituída pela reunião das almas, quando deixar a multidão corrompida deste mundo!.”

A apologia que Cícero fez da velhice é compreensível, se tomarmos em conta que, quando a escreveu, já não estava na flor da idade. Contudo, se o residual da vida lhe favorece a experiência, e esta, por sua, vez beneficia a sabedoria, o contraste entre a deterioração física e a juventude das ideias, só pode ser traduzido em sofrimento.
Oculto por detrás do espelho, o espírito permanece numa juventude enganadora que o corpo há muito perdeu. Desilusão dolorosa quando tenta que o corpo reaja como nessa juventude. Tudo o que parecia perene se perdeu. A vida não passou de uma manifestação cujo suporte foi o tempo, que à medida que se esgota, a vida vai encurtando, dando espaço à memória.
Na velhice, o pensamento que viaja na memória, recua cada vez mais no tempo, as lembranças distantes alimentam-lhe o presente, enquanto que este lhe foge cada vez mais. O presente, cada vez mais longe, torna-se num ténue vislumbre do que foi o passado. Perdido na ilusão do tempo, são as lembranças do passado que não deixam admitir a realidade do presente: ser velho. Assim, a velhice torna-se numa espécie de mentira. Iludida pelas lembranças de um passado que pensa que foi, fica parada no tempo, por isso, mais nova que os outros.
Então, desvaloriza o que fez no passado por não já ser possível fazer no presente. As paixões são sublimadas.
O ego super valorizado e a razão infalível, são as armas intelectuais da velhice para se impor à juventude. É o que lhe resta.
No reflexo do espelho, o seu maior inimigo, toma consciência da realidade e na solidão já não consegue enganar-se a si próprio. Então chora.
Sente a vida fugir-lhe lentamente por entre a vontade. A morte por vezes é pensada, mas sempre veemente rejeitada pela esperança do viver.
A condição fundamental para morrer é estar vivo, pensa o velho, tentativa egoísta para igualar a juventude. Mas sabe que ela lhe está mais próxima.
O pior que lhe pode acontecer é a rejeição. Confirma a velhice.
Elogiar a velhice, é elogiar a loucura, pois só um louco se sentiria bem, elogiando a sua própria precariedade. Cícero, possivelmente por já ser velho, elogia a sageza da velhice, contrapondo-a ao vigor da juventude, mas nenhum jovem quer ser sage antes de tempo. De que lhe serve tanta sabedoria, quando a experiência daí advinda se desvanece, na pertença afirmação da juventude?

“Não fosse a lembrança da mocidade, não se ressentiria a velhice. Toda doença consiste em não se saber fazer mais o que se soube fazer outrora. Pois o velho, em seu género, é decerto uma criatura tão perfeita como o moço na sua”

segunda-feira, abril 14, 2008

Jogo democrático


Criticar a governação é um direito que assiste a todos os cidadãos num estado democrático.

Pedir a queda de um governo eleito democraticamente, porque não nos satisfaz, mesmo fundamentando esse pedido no desajustamento entre o programa eleitoral e o que é a prática governativa, é um direito que não nos assiste à sombra da Democracia.

O candidato comprometer-se com uma coisa e após eleito fazer outra, a experiência verifica que é a pratica corrente de todos os candidatos, como tal, uma coisa que se conhecia de ante mão, não pode servir de justificação para o pedido de demissão.

Um governo que é mandatado pela maioria dos cidadãos, o contrato democrático obriga que seja aceite pelos outros que não o elegeram. Em caso algum, poderá ser demitido por dissidência de opinião, oposição das ideias, ou qualquer outro pretexto de mera desconcórdia, abriria um precedente que seria o fim da Democracia.

O resultado do acto eleitoral nunca pode ser posto em causa, alegando a incompetência do eleitorado ou pelo menos, parte dele, porque a Democracia visa o homem independentemente do seu saber.

Se em democracia um governo existe porque a maior parte de um eleitorado assim o decidiu, as grosserias governativas desse governo serão o reflexo das grosserias do eleitorado que o elegeu.

Desta forma, não aceitar o governo que foi eleito por uma maioria, é não aceitar o jogo democrático, por conseguinte um acto antidemocrático.

Pela boca de Sócrates, Platão opunha-se à democracia que era praticada em Atenas durante a sua época, chegando a dizer, que ela não era mais legítima que um tirano.

Platão não tinha razão, pois a sua recusa baseava-se no resultado obtido e não no acto em si, esse sim o causador de tais resultados.

Tal como então, hoje, a boa prática democrática depende essencialmente de quem a pratica e não de quaisquer forças que lhe sejam estranhas e opositoras.

Uma democracia, cujo eleitorado não é instruído e esclarecido, é uma democracia viciada à partida, onde a campanha eleitoral dos candidatos não passa de um mero acto de sedução.

Instaurar uma democracia sem ter um eleitorado minimamente competente, pode, e já acontece, eleger-se não o melhor, mas até, o pior para os interesses do povo.

Já em 1924, a Maçonaria tinha a consciência da necessidade urgente de educar e esclarecer o povo, afim de não ser manipulado pelas forças que se opunham à sua liberdade conforme o transcrito por António Lopes no seu livro A Maçonaria Portuguesa e os Açores 1792 – 1935:

“posta, porém, de parte a ditadura política, temos de nos precaver contra a ditadura económica e a ditadura financeira, que não são menos prejudiciais nem menos funestas de egoísmo brutal. O homem é para o homem um lobo. (…) Atropelam-se os indivíduos, devorados pela ambição e pelo dinheiro. É indispensável que a nova sociedade se torne pacífica, fraterna e humana, transformando a luta de classes em união de classes e convertendo a desconfiança, que gera a suspeição e a calúnia, em confiança e concórdia (…). E a propósito do papel da Maçonaria portuguesa nessa época, ele deveria ser (…) contribuir para o ressurgimento moral da nossa sociedade, por todos os meios ao seu alcance – pela conferência, pelo livro, pelo jornal; procurar evitar a infiltração reaccionária, qualquer que seja o aspecto de que se revista; concorrer para a reforma dos costumes e proclamar, como Michelet, que há três partes na política de um povo: a 1ª educar; a 2ª educar; e a 3ª educar (…)

Só a educação pode imbuir um povo das condições necessárias para julgar os candidatos; a capacidade de distinguir entre a campanha e a sedução, o discernimento para ajuizar da oferta.

Contudo, nem a falta de educação do eleitorado, nem qualquer outra que seja, poderá ser o justificativo de não aceitar o resultado democrático. Embora no meu ponto de vista, a Democracia termine na consumação do acto eleitoral, esse acto é que faz a diferença entre a consciência da liberdade soberana e a liberdade anarquia.

A educação deverá ser a primeira prioridade de qualquer governo, especialmente onde os níveis de analfabetismo são mais elevados. Enquanto o eleitorado não for evoluído, a Democracia não passará de uma esperança para uns e o modo de legalizar aquilo que mais funesto é para o povo, para outros.

sexta-feira, abril 04, 2008


Publicar ou não este texto, foi durante algum tempo uma questão para mim, mas como da indecisão não reza a história…
Eu sei que sou uma pessoa de opiniões marginais, que muitas vezes não agradam a quem me escuta. Paciência.
Há dias vi um programa na TV sobre a guerra “colonial”, que procurava perceber a causa da actual proliferação de tanta literatura sobre o assunto.
A guerra “colonial” com todas as outras guerras maiores ou menores, mundiais ou regionais, não passam do único processo que o homem tem de resolver os seus diferendos. Selvagem, aquém a evolução ainda não consegui sublimar os instintos predatórios primários, o homem encara e sempre encarou, a guerra como uma das suas principais atribuições, no seu mundo dito “civilizado”. Tal acontece, por desprezar a existência do seu semelhante, que elimina, sem pestanejar, sempre que acha necessário. Este acto de eliminação não é incriminado por nenhum código penal, pois o fazer a guerra, é ter autorização para matar impunemente e, não me venham com essa treta das regras da guerra, nela vale tudo de acordo com as necessidades. Protegida pelo “código de honra da guerra”, a barbárie indiscriminada é de todas as bandeiras e, a perversidade aceite como táctica. Numa guerra nunca há um lado bom ou um lado mau, só há um lado sem qualquer qualificação, onde sem nó nem piedade se soltam os cavaleiros do Apocalipse. Maldita condição humana; A GUERRA.
De tudo o que ouvi, das causas da presente literatura dedicada ao conflito africano, chamemos as coisas pelo seu nome, nada de alcunhas de circunstância, não me ficaram mais do que subjectivas interpretações, produto da factualidade da vivência, por isso limitada, destes novos salvadores da honra nacional. A literatura não abundou anteriormente, por que nós por cá, interpretámos a guerra africana, não como um conflito para onde as forças das circunstâncias nos tinham atirado, mas de como, algumas “mentes brilhantes”, complexadas e comprometidas, defendiam, um acto criminoso, efectuado por criminosos, a mando de criminosos.
Como é que uma pessoa, cuja acção é considerada criminosa, pode falar dela? Como é que uma pessoa, por contar uma história de sangue, suor e lágrimas, a sua própria história, é considerada criminosa?
Hoje, com o declínio dos opiner maker da desgraça, que só viam na guerra africana, nada mais do que um chorrilho de massacres praticados pelos intervenientes portugueses, as pessoas começam a contar as suas vivências e com elas formar a história dessa guerra, não abjecta como muitos nos querem fazer crer, mas de uma inevitabilidade factual, que levou milhares e milhares de jovens, abnegadamente, a defender a Pátria. Relembrar os que voltaram e nunca esquecer os que lá ficaram, é mais que uma obrigação, é um dever.
Falar mal da nossa gesta africana é pôr toda a nossa história em causa. O D. Afonso Henriques, que recusou ser vassalo e foi matador de mouros, os nossos grandes navegadores, desde o Bojador até à Índia dos marajás, Calecut e a malta do Malabar, os que desembarcaram na Taprobana, os intrépidos da China dos mandarins e do Japão dos samurais, os almirantes do Índico, os mercadores das especiarias, os que nos apresentaram ao Mundo, os que se afogaram, os que foram mortos pela espada, os que apodreceram com escorbuto, os que mirraram nas prisões, os que ninguém conheceu e não fala deles, os que naqueles tempos, defenderam os de hoje, quem sabe até, se na fúria doentia de tudo querer deitar borda fora, queiram considerar o Condestável um general criminoso, por ter feito o castelhano cair na armadilha e depois foi um matar que fartou. Eu, só choro Alcácer Quibir e agradeço a Camões, por mim e pela Pátria.
Nós não passamos daquilo que somos, uns mesquinhos que, para ganhar notoriedade, passamos a vida a dizer mal de nós próprios.