sábado, janeiro 26, 2008

A falta de ar

A naturalidade mecânica com que o ser humano respirar, leva-o a esquecer de que a função orgânica mais importante para a sua sobrevivência, é a respiração.
Pela falta de alimentação sólida, a sobrevivência pode ser de muitas semanas, a falta do líquido poucos dias, a falta de ar mata em poucos segundos.
A suspensão voluntária da função respiratória chama-se apneia, a suspensão involuntária provoca a “falta de ar” ou a inspiração de ar com elevado indicie tóxico, provoca a intoxicação e sequente asfixia.
A importância do ar só é reconhecida, quando ele falta. Mas a importância do ar não se fica pela sua falta, mas também na sua importância para o organismo.
Segundo a Medicina Védica, respirar é um acto criativo. As moléculas do ar são caóticas e dispersas ao acaso, mas quando entram no nosso corpo adquirem, como por magia, um propósito e uma identidade.

Vejamos o que acontece com um único átomo de oxigénio quando respiramos. Em poucos milésimos de segundo, ele atravessa as membranas húmidas e quase transparentes dos pulmões, aderindo à hemoglobina no interior das células vermelhas do sangue. Nesse instante ocorre uma notável transformação. A célula, que era de um tom azul-escuro, quase negro pela falta de hemoglobina, muda de cor com essa substância, adquirindo um tom vermelho-claro e brilhante; o átomo de ar que vagueava ao acaso, transforma-se subitamente em nós próprios. Ele acaba de cruzar o limite invisível entre algo sem vida e o que vive alguns segundos depois o mesmo átomo, o mesmo átomo de oxigénio completará um circuito pela corrente sanguínea por todo o nosso corpo. Nesse período, quase metade do oxigénio do corpo sairá do sangue para se transformar numa célula do rim, num músculo bíceps, num neurónio ou noutro tecido qualquer. O átomo permanecerá nesse tecido durante um período que pode variar entre poucos minutos e um ano, realizando todas as funções de que somos capazes. Um átomo de oxigénio pode fazer parte de um pensamento feliz se aderir a um neurotransmissor, ou pode provocar medo, ligando-se a uma molécula de adrenalina. Pode alimentar uma célula cerebral com glicose ou sacrificar-se ao transforma-se em parte de um glóbulo branco que deve atacar uma bactéria invasora. É assim que corre o rio da vida, o rio do corpo, fluindo com inteligência e criatividade.

Não é difícil perceber a importância da pureza do ar, pois dela depende um melhor ou pior desenvolvimento ou regeneração do nosso organismo. Assim sendo, manter o ar puro deveria ser a principal prioridade da humanidade.
A proibição de emissão de gazes nocivos para a atmosfera, deveria ser total, mesmo à custa de todo o prejuízo que causasse aos bens da materialidade, a saúde é o bem supremo, pertença da humanidade, que não poderá ser defraudada pelos interesses de uns poucos.
Quando hipocritamente fingem procurar reduzir as emissões nocivas, não o fazem de modo global, mas parcial ou sectorial, ludibriando as populações com esta ou aquela balela.
A recente proibição de se fumar em lugares fechados, para não prejudicar a saúde dos não fumadores, teria todo o meu aplauso, caso os não fumadores que arrogantemente reclamam a exclusão dos fumadores, se preocupassem, além de protegerem os seus pulmões, como dizem, em proteger a saúde de todos, parando o seu carro, para diminuir as emissões nocivas para a atmosfera.
Vivemos a hipocrisia do cidadão, que só olha para o que os outros fazem de errado e esquece-se dos seus próprios erros e, a hipocrisia do governo quando quer reduzir a despesa com os tratamentos dos que contraem o cancro do pulmão, esquecendo que as cirroses provocadas pelas bebidas alcoólicas e, as vítimas mortais provocados pelos condutores alcoolizados, são em número superior aos óbitos provocados pelo cancro do tabaco.
Abaixo os fumadores que prejudicam a saúde dos não fumadores, abaixo os condutores que prejudicam a saúde de toda a humanidade, abaixo os que se julgam donos do planeta, destruindo o sistema que o matem e regenera.

domingo, janeiro 20, 2008

Deus e o Diabo é que nos guiam

Deus e o Diabo dois conceitos que se complementam, interagindo na mesma proporção. Se considerarmos um como o bem e outro como o mal, quantitativamente são iguais, pois a aceitação de um, implica inevitavelmente a rejeição do outro, na mesma proporção.

Crer na existência de um Deus sem admitir a existência do Diabo, não faz sentido, pois o bem só por si não existe, se não for a oposição do mal, como um princípio exige sempre um fim.

Considerando que Deus existe porque o homem existe, pois o problema da criação e do fim, do bem e do mal, são afecções do próprio homem, implicitamente o Diabo também faz parte da sua vida, pelo que podemos deduzir, que ambos guiam a sua existência.

Como crer na existência de Deus não implica necessariamente qualquer tipo de religiosidade, teremos os crentes divididos em dois grupos: os crentes religiosos e os crentes não religiosos, sendo os primeiros consubstanciados pela imposição e os segundos pela razão. Também a sua maneira de ver Deus é diferente; os religiosos segundo os ditames da fé que abraçam, os não religiosos, pela subjectividade de cada um.

É nas religiões que a presença do Diabo é mais omnipotente, pois é o medo deste, que é incutido, que dá vigor ao processo da fé, por outras palavras, é o medo da punição que leva à devoção. Será que as pessoas adeririam às exigências das religiões se não houvesse o previsto castigo para a desobediência? Todas as religiões se baseiam na dualidade: Céu e Inferno. Não existe adoração a Deus sem a evocação do Diabo. Claro que, conforme os interesses das religiões, as exigências divinas divergem, bem como o castigo do não cumprimento.

Mas não é das religiões que quero falar, mas no comportamento das pessoas, e assim, sou levado a afirmar que os crentes religiosos não têm a noção da Ética Universal, mas só da Ética da sua religião, o que é comprovado pela intolerância, um dos fundamentos das religiões. A exigência das diversas verdades acaba, indubitavelmente, na ignorância da própria verdade e, pior ainda, tender para o fim da dualidade, onde o bem e o mal se confundem. Deus e Diabo, um só personagem.

Os crentes não praticantes de qualquer religião, ainda que libertos das imposições religiosas, estão cativos do seu livre arbítrio que ditará a razão. Vacilam entre Deus e o Diabo, conforme a conveniência do momento. Se a importância de Deus varia conforme a necessidade, o Diabo não é excepção, o que se reflecte no seu comportamento. Também nestes a importância da dualidade se desvanece, acabando na unidade de Deus com o Diabo.

Os agnósticos, sem capacidade para compreenderem Deus, não deixam contudo de reconhecer algo, que acima da compreensão humana, interage na sua vida, como por exemplo um criador e que, como criado, senão venera, pelo menos respeita. Também este não pode fugir à regra. O que foi criado, um dia será destruído e, com este raciocínio, o Diabo destruidor, entra na sua vida, em pé de igualdade, pois tão difícil é compreender um como o outro.
Para o ateu, Deus não existe, como a criação não depende de qualquer obra divina. Penso logo existo, o resto são favas. E o medo de morrer ficou esquecido? Não creio.
Aceitar o fim é aceitar o princípio, ainda que esse princípio não se insira em nenhuma das concepções religiosas conhecidas. O fim é a destruição, obra do Diabo por antagonismo ao Criador. O ateu sem dar por isso, funde o criador e o destruidor numa só entidade que lhe rege a vida.

Por último temos os que não acreditam nem na criação nem na morte. Para estes a existência é uma emanação do divino ao qual retornarão um dia. Esta emanação divina dá origem simultaneamente à emanação do Diabo, pois depende do comportamento da existência, o retorno ao divino. Também nestes, Deus e o Diabo, andam de braço dado.

Querer recusar a influência do Diabo, até mesmo em certos casos, o seu fascínio, é uma falta de conhecimento do comportamento humano, onde ele, sob a capa do que é correcto, se instala com a nossa concordância para alimentar o nosso egoísmo.

O amor é uma universalidade, ou se ama tudo, ou não se ama. Seleccionar o amor, é uma falsa premissa para a conclusão amorosa, é uma prova do nosso egoísmo, o tal Diabo de estimação que vive em nós, que nos leva à descriminação amorosa.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Falar de pobreza X

Falar da pobreza, parece estar na ordem do dia, ainda que poucas pessoas procurem conhecer afundo o fenómeno. A pobreza não é uma doença súbita, é uma patologia lenta que nos vai consumindo sem darmos por isso e, um dia, podemos acordamos doentes. Talvez pareça excessivo, mas vou procurar fazer uma análise da evolução portuguesa ao longo dos últimos 100 anos. Tenho 66 anos de idade, o que me coloca na qualidade de observador de, pelo menos, meio século. Convido todos os que me visitam a participarem, não como um debate, mas uma tribuna aberta a todas as opiniões. Vale a pena perder um bocadinho do nosso tempo a pensar no assunto, pois o que se mostra no horizonte, não é nenhum mar de rosas.
Para a elaboração dos meus textos, vou-me socorrer da obra Portugal Século XX de Joaquim Vieira de onde recolherei textos, dados estatísticos e fotografias.

Quem manda é o poder económico

Década de 1990 a 2000


E agora?

Estatística em 2000
População 9.997.590
Mortalidade infantil (por mil partos) 5,4
Esperança média de vida em anos 75,3
Natalidade (por mil habitantes) 5,6
Analfabetos 11,00
Eleitores inscritos 8.740.122
Estudantes do ensino primário 497.517
Estudantes universitários 207.027
Automóveis em circulação 5.668.326
Trabalhadores do sector rural 613.300
Trabalhadores do sector industrial 1.694.400
Trabalhadores do sector de serviços 2.516.600

“O País parece ter entrado em ciclo de vida de mudança gradual e permanente. O País emburguesou-se. Normalizou-se. Com o que isso tem de confortável e de frustrante.
António Barreto, 1999

É preciso chegar ao derradeiro decénio para Portugal viva os seus dez anos mais tranquilos. Autocomprazem-se num regime do qual nada questionam, nem da sua prática nem das suas opções de fundo. O espírito, bem à portuguesa, é de descontracção, de celebração e festa, urgência de saborear vida, de despreocupação com o dia seguinte de uma leveza porventura insustentável.
No meio destas «orgias pagas com o dinheiro dos outros», o país altera a sua identidade de nação oceânica, provinciana e minguada para uma comunidade continental, cosmopolita e pródiga.
As luzes europeias do consumo em larga escala atraem os cidadãos como insectos. À procura do tempo perdido, a população acorre aos hipermercados e centros comerciais cada vez maiores que se instalam por toda a parte. Aí gasta-se o que se tem e o que não se tem, para se ter o que nunca se teve mas sempre se ambicionou. O mais eloquente reflexo deste frenesim é a taxa de endividamento individual que salta de menos de 20% do rendimento disponível em 1990 para quase 80% em 2000.
O Estado permite-se acompanhar a vaga gastadora do povo, ou talvez seja o povo a seguir o exemplo do Estado, investindo em grande parte com dinheiros europeus, tanto em infra-estruturas de transportes e comunicações como em espaços destinado ao lazer e à cultura. E, como se não bastasse, o Estado promove ainda festejos e comemorações que restituem aos portugueses a autoconfiança e lhes criam a ilusão de ocupar o centro do mundo.
Há mais gente a gozar férias, a sair à noite, a frequentar bares e discotecas, a passear nos centros comerciais, a adquirir objectos de luxo. A estúrdia está ao alcance de quase todos. O corpo ocupa um lugar central na vida social e nos tempos livres: veste-se o corpo para transmitir uma mensagem, desvenda-se o corpo para seduzir, excita-se o corpo para rejuvenescer, ondula-se o corpo para dançar e exibe-se o corpo para vender produtos.
Ao longo dos anos 90 aprofundam-se as tendências de terciarização do país, cada vez menos industrial e mais dedicado ao sector de serviços, enquanto a agricultura se transforma numa sombra do que foi.

O poder político a que fomos habituados não tem capacidade para prever, só sabe governar à vista, mudando de rumo conforme os acontecimentos.

O país continua a envelhecer, mas não previram isso atempadamente, só quando o dinheiro se mostra insuficiente, dizem que temos velhos a mais. O petróleo há muito tempo que mostra que não vai parar de subir, mas só agora estão preocupados com a barreira dos 100 dólares, como os 100 dólares fosse a porta do inferno, quando dentro em pouco tempo vamos ter saudades desse valor. O país está a mirrar!
Não em tamanho físico, mas em população, ainda que a natalidade vem assustadoramente diminuído, pelo menos há três décadas, só agora deram por isso, quando alguém perguntou o que era necessário fazer para haver mais bebés. E a entrada dos países de Leste para EU? Não sabiam de nada, coitados, como poderiam prever que os industriais em que apostaram com as regalias que ofereceram, se iriam todos embora, provocando um desemprego nunca visto.

Claro que não podiam prever quando deram o que não podiam, só para ganhar eleições, que o país com uma despesa superior à receita, em pouco tempo ia à falência. Descobriram isso agora! Vai de retro Satanás, é preciso desmontar esse clima eufórico a que nos acostumámos. Meus senhores, não somos os ricos que julgam, dizem eles, estão agastar mais do que valem, toca a devolver o seu a seu dono. Não há mais aumentos, os que receberam foi para toda a vida, há empregados a mais, os tais jobs for the boys, há subsídios a mais, tudo o que há é a mais. Dizem eles com um ar ingenuamente maquiavélico, outras vezes nem tanto, esquecendo que foram eles e os outros que deram tudo o que está hoje a mais.

Claro que alheia a tudo isto, é a classe que está empregada na área dos serviços, razoavelmente bem renumerada, dois ordenados por família, não há crise que chegue, mas o fosso entre ricos e pobres persiste, sem que ninguém se interesse por isso. Diz a revista britânica The Economist constata-o no último ano do século, ao analisar a situação do país: «Há uma óbvia diferença entre os velhos, que vivem com pensões tão baixas e os prósperos jovens de telemóvel na mão»

The show must go on

A superficialidade é profunda em Portugal: muda os hábitos e origina um novo jet-set baseado nas figuras do espectáculo. Mas a atracção pelo fútil não é um exclusivo das classes populares. Também as elites urbanas se deixam seduzir por padrões superficiais e uma estética consumista tendendo a valorizar mais um desfile de moda do que uma exposição de pintura, uma ida à discoteca do que uma tertúlia ou um jogo de futebol do que um espectáculo de dança. A este savoir fair, não é inocente o aparecimento da TV privada. O share procura saber do que é que os espectadores gostam e, a TV passa a ser o espelho da nação que se vê transformada num grande Big Brother. Toda a gente quer ser célebre, o preço não interessa, o erotismo transborda, a pornografia passa a ser um dos negócios mais rentáveis. Os portugueses estão esfomeados de liberdade, vale tudo menos tirar olhos, mas não há olhos para ver que a juventude, ou pelo menos parte dela, está irremediavelmente perdida, vítima dessa praga que ninguém consegue debelar, a droga. A criminalidade aumenta e a polícia ausenta-se.

A Factura

As oportunidades de crescimento não são iguais para todos. Alguém vai pagar os custos da modernidade, sobretudo quem vive dos sectores primário e secundário. Nos anos 90 180 mil explorações rurais são extintas, 180 mil ha de terra são abandonados e 440 mil pessoas são obrigadas a deixar os campos.
Todos estamos de acordo que o fim da “prosperidade” está a chegar ao fim, voltamos a assumir o que sempre fomos, pobres, o sonho que nos deram não passou disso, sonhar que éramos ricos, foi só o que os nossos governantes nos souberam dar em troca do nosso voto, sonhar não com o império, mas com uma vida decente. Portugal neste momento, relativamente aos primeiros 15 é o mais pobre e, pouco falta para o ser em termos absolutos. Já não há mais fundos para receber, que vamos agora fazer?

Portugal está agora em condições de se aceitar como sempre foi. Deu a volta ao mundo e de mãos vazias ficou, recebeu os fundos da salvação e vazias voltaram as mãos a ficar.

domingo, janeiro 06, 2008

Falar de pobreza IX

Falar da pobreza, parece estar na ordem do dia, ainda que poucas pessoas procurem conhecer afundo o fenómeno. A pobreza não é uma doença súbita, é uma patologia lenta que nos vai consumindo sem darmos por isso e, um dia, podemos acordamos doentes. Talvez pareça excessivo, mas vou procurar fazer uma análise da evolução portuguesa ao longo dos últimos 100 anos. Tenho 66 anos de idade, o que me coloca na qualidade de observador de, pelo menos, meio século. Convido todos os que me visitam a participarem, não como um debate, mas uma tribuna aberta a todas as opiniões. Vale a pena perder um bocadinho do nosso tempo a pensar no assunto, pois o que se mostra no horizonte, não é nenhum mar de rosas.
Para a elaboração dos meus textos, vou-me socorrer da obra Portugal Século XX de Joaquim Vieira de onde recolherei textos, dados estatísticos e fotografias.



Década de 1980 a 1990

Europa, Europa, Europa


Estatística referente a 1980
População 9.833.014 (homens 4.737.715 48,2% mulheres 5.095.299 51,8%) (menores de 20 anos 3.358.415 35,2% maiores de 60 anos 1.557.747 15,8%)
Mortalidade infantil (por mil partos) 22,25
Esperança média de vida homens 67,8 anos
Esperança média de vida mulheres 74,8 anos
População de Lisboa 807.937
População do Porto 327.368
Analfabetos 18,6%
Emigrantes oficiais (por mil habitantes) 2,56
Eleitores inscritos 6.921.917
Escolas primárias 17.892
Estudantes do ensino primário 928.992
Estudantes do ensino secundário 448.632
Estudantes universitários 843173
Automóveis em circulação 1.545.913


«Não há ninguém que não fale em “modernização” ou a recomende em artigos da mais obsoleta prosa. Estamos atrasados, mas não tardaremos a ser “modernos” e a “pertencer” à Europa»

Vasco Polido Valente, 1988

A expansão económica da segunda metade da década de 80 foge aos cânones tradicionais. Mantendo-se a redução do peso do sector agrícola, não é a indústria que cresce mas sim os serviços: banca e outras actividades financeiras, comércio, turismo, informática, meios de comunicação, ensino e formação profissional, assistência pública.
Com o aparecimento de muitas pequenas e médias empresas no sector terciário, a quantidade de empresários, quadro dirigentes e profissionais liberais em Portugal sobe para o dobro, dando-se também um acentuado aumento do número de profissionais intelectuais, científicos. Técnicos e trabalhadores independente, enquanto a parcela dos activos rurais cai cerca de 10%.

A maior parte do pessoal ocupado no sector terciário é já, no início dos anos 80, do sexo feminino e continuará a subir. Em 1990 em Portugal a população activa é de 64%, na Espanha 46%, na Grécia 49%, na Itália 50%.

Há muita gente a mudar de emprego, mas os portugueses não suam nem sujam as mãos nas suas novas ocupações, reforçando cada vez mais essa classe, que diz não ser pobre, mas que não pertence à classe média.

Esta é a década social-democrata, em que o PSD se mantêm no governo se 1980 a 1990

Manifestação- Lisboa, Novembro de 1983

Mas nem tudo é um mar de rosas, ou antes, um roseiral que esconde os espinhos. Desde que no início de 1983, um grupo de trabalhadores suspendeu uma sessão da AR reclamando salários e subsídios de férias, a contestação não mais pára de crescer. Cortes de estradas e vias-férreas (sobretudo na Marinha grande onde a obsoleta indústria videira é fortemente penalizada), confrontos com as forças da ordem, onde em Valongo a GNR carrega sobre operários que não recebem à meses, causa um morto. Nos estaleiros da Lisnave um navio retido pelo pessoal em troca dos seus ordenados é resgatado pelas forças policiais, são só alguns dos casos que agitam Portugal de Norte a Sul.

As crises propiciam sempre soluções de alternativa e, muito aderem a práticas ilícitas para sobreviver ou mesmo aumentar o nível de vida. Em 1984 a evasão fiscal corresponde a 22% da produção declarada, com uma dívida ao fisco de 83 milhões de contos. É o tempo da D. Branca, a banqueira. Mas como ninguém se interessa com nada, além de si mesmo, a sua brilhante inteligência leva as pessoas a apostar na riqueza fácil e, depositar nas mãos da referida senhora as suas economias, mais ainda contrair empréstimos para investir nela. Ninguém perguntou, porque também não queria saber, como é que a organização da referida senhora, podia pagar os dividendos que prometia, que só de maneira ilícita poderia ser; tráfego de droga, armas, diamantes? Pois bem, venceu a inteligência dos espertos, quando um dia a “pirâmide” ruiu e o dinheiro em posse da banqueira foi-se para sempre. Meus caros concidadãos têm tanto de espertos e ambiciosos, que qualquer velha vos come as papas na cabeça.


Fábrica de vidros da Marinha Grande, paradigma da obsolescência

Dia 12 de Junho de 1986, o dia da grande ilusão dos portugueses, agora é que podem viver de costa direita e à grande, a Europa é quem paga. E não estavam enganados, foram milhões e milhões que não precisaram de passaporte para entrar. Metia-se a mão no saco, agarrava-se num punhado de notas e gritava-se:
- Fartai vilanagem.
E a vilanagem não se fez rogada, mas apenas a vilanagem amiga.

Só que o cheiro do dinheiro era tão inebriante, que ninguém quis saber se teria de pagar alguma coisa por ele. E pagou e não foi pouco, com língua de palmo. Do lado de lá gritaram.
Ó Zé tira a cancela da fronteira para a malta entrar
Ó Zé toma lá umas guitas para não cultivares
Ó Zé toma lá umas lecas para meteres o teu barco de pesca no fundo e ires para a terna passar a tarde.
Ó Zé tira mão do bacalhau, isto agora não é como dantes que pescavas à brava.
Ó Zé para a Mauritânia só para passar férias, pescar acabou
Ó Zé toma para acabares com isto…
Ó Zé toma para acabares com aquilo….
E deram tanto ao Zé que o Zé empanturrou.

Depois de bem empanturrado era preciso fazer a digestão.
Às Armas! Perdão, Às Lojas Cidadãos! Abaixo o Grandella viva a Benetton, tudo que é estrangeiro é que é bom. E era, não só pela diversidade como pelo preço, sem concorrência das nossas indústrias. Com o fim das barreiras alfandegárias, ficámos entregues aos bichos, aos de fora e aos de dentro, que começaram a corroer a sociedade.

Éramos um país florescente, os governos continuam a dar o que podiam e não podiam. Com a produção nacional em declínio o que implica a colecta de menos impostos, como é que podiam dar as regalias que davam? Era uma chatice, havia sempre uma outra eleiçãozita para ganhar.

Mas o engenho sempre foi a alma do negócio e para desenrascar não há ninguém como nós. Uma nova dona Branca gigantesca, sofisticada, pouco a pouco foi crescendo em Portugal, a banca. Compre hoje e paga para o ano que vem. Cartões de crédito? Quantos querem? O dinheiro não chega para tudo? Não pense nisso, vá lá mais creditozinho ao melhor juro do mercado. A malta que estava a ficar apertada, desapertou e de que maneira, a nova D. Branca, fazia o ordenado dobrar. Carro novo, em segunda mão parece mal, casita nova toca a comprar, juros bonificados, já não é preciso dar entrada e, melhor ainda emprestam umas massas a mais para as escrituras e para as mobílias é tudo a pagar aos bochechos. A malta está cá com um nível de vida de se tirar o chapéu, sim senhor.

Vila alentejana onde aos idosos só lhes resta a dança das cadeiras

Como ao fantástico nível de vida, da classe média e da pseudo classe média, continuava a corresponder o salário mais baixo da Europa, ainda há pouco os chineses foram lembrados disso pelo ministro, a malta estrangeira continua a aproveitar a deixa e, o drawback é cada vez maior.

Com o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, a natalidade começou a decrescer dramaticamente. Os velhos são cada vez mais, o índice de envelhecimento demográfico era em 1970 de 34%, em 1987 quase duplica passando para 62%. Diminui o número de trabalhadores activos existentes para cada reformado. Estamos na República dos Aposentados, cuja sobrevivência não está assegurada.

Com o salário médio mais baixo da Europa, com o salário mínimo mais baixo da Europa, com uma população reformada com muito baixas pensões, com tanta gente desempregada, como é podemos dizer que estávamos em franco desenvolvimento?
Talvez para mais alguns, os citadinos, mas a grande maioria piora com a entrada na Europa. Mas afinal sempre tínhamos o Chico Fininho.