A cinderela
É costume dizer-se que o hábito faz o monge, ou por outras palavras, mostra-me o que vestes e direi em que te tornaste.
Há já alguns anos, quando vendia roupa de cerimónia para senhora, as visitas aos clientes eram feitas num furgão de caixa alta, onde os vestidos, devidamente pendurados, eram apresentados aos clientes que, devido à altura da caixa de carga, permitia que entrassem nele e fizessem a sua escolha, uma espécie de loja ambulante.
O que vos vou contar hoje, não é ficção, mas uma história verídica que ocorreu durante uma dessas visitas.
Estava parado à porta da cliente de Pêro Pinheiro, a fazer a presentação dos vestidos, quando entrou na loja uma senhora, procurando um vestido para levar ao casamento da filha.
O trabalho no campo, tinha-lhe tornado a idade indefinida; rugas prematuras, cabelo puxado para trás que findava num carrapito disforme, pele escurecida pelo sol e mãos calejadas pela enxada. Vestia uma blusa e uma saia pretas, sobre a qual usava um avental também preto, enquanto a blusa era coberta por um grosso e debotado xaile, outrora, preto também. Os pés calçavam umas chinelas, gastas e deformadas pelo uso, cuja cor era difícil de identificar, devido à poeira que as cobria.
Como os negócios não se podem perder, a minha cliente rapidamente desviou a sua atenção para a senhora, ficando eu a aguardar a minha vez.
A senhora, aquém vou chamar Alice, depois de uma demorada vista de olhos pela existência da loja, apesar dos esforços da minha cliente, não conseguia encontrar o vestido que teria idealizado.
Quando já estava quase resignada em não efectuar a venda, perguntou-me se podia mostrar um dos meus vestidos. Escolheu um vestido preto, cumprido de alças finas, com aplicações prateadas no peito.
- Vai-lhe vestir esse vestido? Perguntei incrédulo.
Respondeu com um piscar de olho.
Convidou a D. Alice a entrar no gabinete de provas e, com a persistência que o negócio exige, conseguiu convencer a senhora a experimentar o vestido, que ia protestando que não era para ela aquele tipo de roupa.
A dona da loja, numa azáfama frenética, entrava e saia do gabinete de provas que, como verifiquei mais tarde não tinha espelho, levando bijutaria, sapatos e para meu maior espanto, um estojo de maquilhagem, por fim, foi a procura de um pente e aqueles acessórios que as senhoras usam para prender o cabelo.
Cá fora, enquanto esperava, só era audível a minha cliente dizer:
- D. Alice não se mexa, é só para vermos como fica.
A espera foi grande e, só a curiosidade evitava o lamentar do tempo perdido.
Parecia-me uma coisa de loucos, ou melhor de louca, vestir um vestido de cerimónia, como o que estava a ser experimentado, a quem o duro trabalho do campo lhe tinha emprestado um ar quase buçal.
Quando por fim, o reposteiro do provador foi afastado, ao ver D. Alice sair, a minha cara devia ser de tão parvo, que a minha cliente, receosa que fizesse algum comentário, fez-me sinal para ficar calado, enquanto ela conduzia pelo braço a D. Alice até perto do espelho que se encontrava numa das paredes da loja, mas não a colocou de frente para ele, mas de costas. Depois, pediu à D. Alice que fechasse os olhos e, rodou-a suavemente até ficar de frente para o espelho e ordenou:
- Pode abrir!
D. Alice olhou para o espelho, como se de uma porta se tratasse, por onde entrava ao seu encontro, outra mulher que ela não conhecia.
O vestido que cobria ligeiramente os sapatos de salto alto, fazia sobressair as formas do corpo, escondidas pelo avental, adelgaçando-lhe a silhueta. Os braços e os ombros desnudados, que a blusa havia escondido do sol, mostrando uma pele que resplandecia pela sua brancura, estavam cobertos por uma mantilha de franjas. No pescoço, uma larga gargantilha que tornava invisíveis as rugas, fazia conjunto com uns discretos brincos. O cabelo, penteado e repuxado para trás, que tinha trocado o carrapito por uma banana e, acompanhava a parte posterior da cabeça, fazia-lhe sobressair a face, levemente maquilhada, onde os olhos delineados pelo rímel sobressaíam, dando-lhe uma finura de feições. Nas mãos, um par de luvas de renda fina, encobriam a labuta diária.
Nem eu nem a minha cliente dizíamos nada, para não perturbar a intimidade da D. Alice, na descoberta dela própria.
Após alguns instantes, uma lágrima furtiva escorreu-lhe pela face, não visível no espelho, onde o sonho, inimaginável, se materializava.
Quando mais tarde voltei a visitar a cliente, curioso, perguntei-lhe pela D. Alice e, como tinha corrido o casamento.
- Ah a Cinderela!
- Como!?
- Fez um sucesso tal no casamento, que ofuscou a noiva! Quando as pessoas souberam como ela ia vestida, a terra inteira correu à igreja para a ver e uma das irmãs, de lágrimas nos olhos, carinhosamente, chamou-lhe Cinderela. Hoje, todos cá na terra lhe chamam Cinderela.
É costume dizer-se que o hábito faz o monge, ou por outras palavras, mostra-me o que vestes e direi em que te tornaste.
Há já alguns anos, quando vendia roupa de cerimónia para senhora, as visitas aos clientes eram feitas num furgão de caixa alta, onde os vestidos, devidamente pendurados, eram apresentados aos clientes que, devido à altura da caixa de carga, permitia que entrassem nele e fizessem a sua escolha, uma espécie de loja ambulante.
O que vos vou contar hoje, não é ficção, mas uma história verídica que ocorreu durante uma dessas visitas.
Estava parado à porta da cliente de Pêro Pinheiro, a fazer a presentação dos vestidos, quando entrou na loja uma senhora, procurando um vestido para levar ao casamento da filha.
O trabalho no campo, tinha-lhe tornado a idade indefinida; rugas prematuras, cabelo puxado para trás que findava num carrapito disforme, pele escurecida pelo sol e mãos calejadas pela enxada. Vestia uma blusa e uma saia pretas, sobre a qual usava um avental também preto, enquanto a blusa era coberta por um grosso e debotado xaile, outrora, preto também. Os pés calçavam umas chinelas, gastas e deformadas pelo uso, cuja cor era difícil de identificar, devido à poeira que as cobria.
Como os negócios não se podem perder, a minha cliente rapidamente desviou a sua atenção para a senhora, ficando eu a aguardar a minha vez.
A senhora, aquém vou chamar Alice, depois de uma demorada vista de olhos pela existência da loja, apesar dos esforços da minha cliente, não conseguia encontrar o vestido que teria idealizado.
Quando já estava quase resignada em não efectuar a venda, perguntou-me se podia mostrar um dos meus vestidos. Escolheu um vestido preto, cumprido de alças finas, com aplicações prateadas no peito.
- Vai-lhe vestir esse vestido? Perguntei incrédulo.
Respondeu com um piscar de olho.
Convidou a D. Alice a entrar no gabinete de provas e, com a persistência que o negócio exige, conseguiu convencer a senhora a experimentar o vestido, que ia protestando que não era para ela aquele tipo de roupa.
A dona da loja, numa azáfama frenética, entrava e saia do gabinete de provas que, como verifiquei mais tarde não tinha espelho, levando bijutaria, sapatos e para meu maior espanto, um estojo de maquilhagem, por fim, foi a procura de um pente e aqueles acessórios que as senhoras usam para prender o cabelo.
Cá fora, enquanto esperava, só era audível a minha cliente dizer:
- D. Alice não se mexa, é só para vermos como fica.
A espera foi grande e, só a curiosidade evitava o lamentar do tempo perdido.
Parecia-me uma coisa de loucos, ou melhor de louca, vestir um vestido de cerimónia, como o que estava a ser experimentado, a quem o duro trabalho do campo lhe tinha emprestado um ar quase buçal.
Quando por fim, o reposteiro do provador foi afastado, ao ver D. Alice sair, a minha cara devia ser de tão parvo, que a minha cliente, receosa que fizesse algum comentário, fez-me sinal para ficar calado, enquanto ela conduzia pelo braço a D. Alice até perto do espelho que se encontrava numa das paredes da loja, mas não a colocou de frente para ele, mas de costas. Depois, pediu à D. Alice que fechasse os olhos e, rodou-a suavemente até ficar de frente para o espelho e ordenou:
- Pode abrir!
D. Alice olhou para o espelho, como se de uma porta se tratasse, por onde entrava ao seu encontro, outra mulher que ela não conhecia.
O vestido que cobria ligeiramente os sapatos de salto alto, fazia sobressair as formas do corpo, escondidas pelo avental, adelgaçando-lhe a silhueta. Os braços e os ombros desnudados, que a blusa havia escondido do sol, mostrando uma pele que resplandecia pela sua brancura, estavam cobertos por uma mantilha de franjas. No pescoço, uma larga gargantilha que tornava invisíveis as rugas, fazia conjunto com uns discretos brincos. O cabelo, penteado e repuxado para trás, que tinha trocado o carrapito por uma banana e, acompanhava a parte posterior da cabeça, fazia-lhe sobressair a face, levemente maquilhada, onde os olhos delineados pelo rímel sobressaíam, dando-lhe uma finura de feições. Nas mãos, um par de luvas de renda fina, encobriam a labuta diária.
Nem eu nem a minha cliente dizíamos nada, para não perturbar a intimidade da D. Alice, na descoberta dela própria.
Após alguns instantes, uma lágrima furtiva escorreu-lhe pela face, não visível no espelho, onde o sonho, inimaginável, se materializava.
Quando mais tarde voltei a visitar a cliente, curioso, perguntei-lhe pela D. Alice e, como tinha corrido o casamento.
- Ah a Cinderela!
- Como!?
- Fez um sucesso tal no casamento, que ofuscou a noiva! Quando as pessoas souberam como ela ia vestida, a terra inteira correu à igreja para a ver e uma das irmãs, de lágrimas nos olhos, carinhosamente, chamou-lhe Cinderela. Hoje, todos cá na terra lhe chamam Cinderela.