quarta-feira, outubro 26, 2005

Termópilas

Em 480 a.C. a Grécia encontrava-se numa das fases mais crítica da sua história, o Império Persa ameaçava conquistá-la e submeter toda a Helade. A derrota persa em Maratona tinha de ser vingada.
O mundo grego sempre foi além de genial, o mundo da traição, da intriga e da inveja, que se reflectia entre as cidades estados. Argo não quis participar na luta pelo ódio que tinha aos Espartanos, Tebas sentia um prazer maldoso em ver Atenas cair, os Tessálicos também traíram a causa comum e os próprios sacerdotes de Delfos vaticinavam um política derrotista. Só os Atenienses e os Espartanos aceitaram, num esforço comum salvar a Helade.
O exército persa teria de atravessar o Helesponto percorrer a Trácia, a Macedónia e a Tessália para chegar à Grécia Central. Os Gregos que tinham necessidade de os retardar para darem tempo de manobra à sua frota, escolheram o estreito das Termópilas, situado entre a Tessália e a Fócida para a batalha. A passagem nesse tempo era tão estreita entre o mar e arriba que nela não podiam cruzar-se dois carros.
Foi aí que Leónidas, rei de Esparta tomou posição com cerca de 5.000 hoplitas, entre os quais 300 espartanos, escolhidos entre os melhores. O estreito propriamente dito foi ocupado pelos espartanos, enquanto o resto das suas forças ficavam na retaguarda.
Quando Xerxes, rei dos persas, chegou ao local enviou um mensageiro a Leónidas, intimando-o a entregar as armas. O espartano respondeu simplesmente: “Vem buscá-las”. Quando disseram aos espartanos que os Persas eram tão numerosos que podia tapar o Sol com as suas flechas, um dos soldados respondeu: “Tanto melhor, poderemos combater à sombra”. Xerxes esperou quatro dias, findos os quais deu inicio ao combate.
O exército persa era composto por 150.000 homens fortemente armados, que em terreno aberto seria impossível aos gregos sustê-los, mas a posição em que se encontravam permitia-lhes combater numa frente relativamente pequena. Xerxes enviou então os Medos contra eles, com ordens de trazerem vivos os gregos à sua presença.
Os Medos lançaram-se em vagas sucessivas sobre os Gregos mas eram sucessivamente derrotados. Os gregos com as suas grandes lanças facilmente derrubavam os Medos. A situação atingiu tal ponto que de insustentável parecia querer tornar-se em vitória.
Xerxes desesperado com a resistência grega, mandou recuar os Medos e ordenou que o ataque fosse feito pelos Imortais. Os Imortais era um corpo de elite composto por dez mil soldados. Chamavam-se imortais, por as baixas serem imediatamente repostas permanecendo constante o número de 10.000.
Mas quando entraram em contacto com os gregos, não tiveram melhor sorte que os Medos, as lanças dos gregos continuavam a ser soberanas. O combate durou dois dias com grande desespero dos Persas que naquele corredor estreito não podiam empregar a sua cavalaria.
Se com os gregos aprendemos muitas coisas boas também com eles aprendemos que a traição é sempre uma possibilidade a considerar.
Xerxes no meio do seu desespero conseguiu encontrar um traidor que se predispôs a conduzir os Persas por uma vereda que contornava as Termópilas. O seu nome ficou imortalizado, não pelas boas acções, mas como o símbolo do desprezo e da ignomínia, Efialtes.
Logo que a noite caiu, os 10.000 imortais puseram-se em marcha pelo itinerário secreto. De madrugada, chegaram a uma garganta defendida por 1.000 homens originários da Fócida. Garganta escarpada de fácil defesa, mas os Fócios não cumpriram o seu dever e fugiram.
A sua fuga, condenava à morte os defensores das Termópilas, agora os Persas poderiam atacar pela retaguarda. Os Helenos reuniram então um conselho de guerra. Uns queriam ficar no seu posto, mas outros preferiam evitar uma carnificina inútil. Por fim Leónidas mandou embora todos os queriam partir. Ele próprio ficou com os seus Espartanos.
A luta foi de uma ferocidade inaudita, os Persas perderam inúmeros homens antes de forçarem a passagem. Quando Leónidas caiu morto na batalha, foi rodeado pelos espartanos que restavam, que defenderam o seu corpo até uma onda de guerreiros persas os apagar do campo de batalha.
Pela sua coragem sobre-humana, os Espartanos conseguiram proteger a fuga da maior parte dos companheiros de armas. Atenas e a Ática foram evacuadas. Temístocles conseguiu zarpar com a frota grega para Salamina, onde viria a obter uma vitória final e decisiva contra os Persas, acabando definitivamente com a sua ameaça.
Termópilas, onde a valentia e a abnegação transformaram a derrota numa tremenda vitória grega.

quinta-feira, outubro 20, 2005

A Hipótese de Gaia

À medida que a sociedade vai evoluindo com novas descobertas científicas e adopção de movas filosofias, as verdades absolutas vão deixando de se tornarem irrefutáveis no nosso intelecto. A esta mudança chama-se “Mudança de Paradigma”, a qual nos permite conceber novas hipóteses de vida.
A Hipótese de Gaia, formulada por James Lovelock e Lynn Margulis, defende que a Terra passe a ser não um corpo sem vida, mas a vida em si mesma, sugerindo que a biosfera da Terra, seja um grande organismo auto-regulador ao qual chamam Gaia.
Esta hipótese apesar de ter sido recusada por alguns cientistas, teve eco em muitos outros que a tomaram como um conceito.
A ecosfera não é um simples sistema homeostático, automático, químico-mecânico.
O planeta Terra é um ser vivo, um ente com identidade própria, o único da sua espécie que conhecemos Se outras “gaias” existirem no Universo, nesta ou noutra galáxia, serão todas coerentes. Um ser vivo tão destacado merece nome próprio.

Este conceito é a antítese do que até agora adoptado pela ciência, que coloca os seres humanos como observadores externos da natureza. Mas tal conceito na Hipótese de Gaia não é possível, pois segundo ela, eles depende da interacção, para a sua existência., da relação profunda entre todos os elementos do planeta, tornando-os interdependentes uns dos outros.
Vejamos algumas das interdependências essenciais para uma melhor compreensão da Hipótese de Gaia.
Seria possível a vida no nosso planeta só ser constituída por animais, sem a existência de plantas? É obvio que não. Mesmo os animais carnívoros alimentam-se de herbívoros. A cadeia alimentar termina sempre nas plantas.
E porque terá esta de terminar nas plantas? Porque são capazes de funções fundamentais para a vida que o animal não tem. Os animais, para todas as suas actividades, necessitam de energia. A única fonte de energia inesgotável na Terra é a radiação solar, e a sua captação é o que as plantas fazem.
Elas dominam a técnica da fotossíntese. Com a sua imobilidade e grande superfície de exposição, captam a energia solar. Retiram do ar gás carbónico que combinam com água para fazerem substâncias orgânicas, e com este trabalho libertam oxigénio.
Invertendo a pergunta anterior: poderíamos imaginar um planeta com vida mas sem animais? Impossível O alimento principal das plantas é o gás carbónico, um elemento raro na atmosfera, representa apenas 0,003% do nosso invólucro gasoso.
São os animais que permitem a sua sobrevivência. Eles dominam a técnica inversa da fotossíntese, a respiração, pela qual recebem o oxigénio e libertam o gás carbono.
Esta complementaridade e interdependência entre plantas e animais, fotossíntese e respiração, sedentariedade e mobilidade, é apenas algumas entre a infinidade de interacções que formam o grande processo da sustentabilidade da vida.
A vida é uma harmoniosa interdependência de todos os intervenientes, onde o particular não subsiste fora do conjunto, como o conjunto não existe em face do particular. A própria definição de vida define o conjunto sempre no singular, a Vida e nunca as vidas.
Dentro da visão naturista surgiu o conceito de ecosfera, que é o conjunto e a interacção de todos os ecossistemas entre si e com o mundo mineral.
A biosfera, espaço povoado pelos seres vivos, está intimamente integrada com a litosfera, a hidrosfera e atmosfera. O todo constitui uma unidade funcional, um organismo, um sistema dinâmico integrado, equilibrado e auto-regulado.
A vida existe neste planeta há pelo menos 3,5 biliões de anos e nele se mantém até hoje porque a terra tem homeostase, isto é, equilíbrio na conservação dos constituintes por meio de mecanismos de auto-regulação.
Desde que apareceu a vida, há 3,5 biliões de anos, o Sol já ficou duas vezes mais quente, mas a vida na Terra, ou a Hipótese de Gaia, manteve a temperatura própria para vivermos na sua superfície.
A primeira atmosfera terrestre foi de hidrogénio, mas foi perdida pela fraca gravidade do planeta. A segunda era constituída basicamente de gás carbónico, metano e amoníaco, com os restos de hidrogénio da primeira. Era redutora e de origem eruptiva. Somente nela poderia aparecer a vida. Se as primeiras substâncias orgânicas surgissem numa atmosfera como a nossa, seriam rapidamente destruídas pela oxidação.
A partir do metano e do amoníaco da atmosfera, com a energia das descargas eléctricas e da radiação solar, formava-se sempre material orgânico nos oceanos.
Os primeiros organismos só podiam alimentar-se da matéria orgânica existente nos oceanos, o “caldo primordial” que começou a auto consumir-se. Havia o perigo de extinção.
Gaia achou a solução. A fotossíntese permitiu à vida sintetizar a sua própria matéria orgânica captando a energia solar libertando o oxigénio. Mas o oxigénio na fotossíntese era mortal para os seres anaeróbios existentes, que viviam na ausência de oxigénio, contudo, a vida soube adaptar-se ao oxigénio.
A atmosfera inverteu-se de redutora passou a oxidante, tornando possível a vida animal.
Nós somos a Terra e a Terra é todos nós. No organismo de Gaia, nós, os humanos, somos apenas células de um dos seus tecidos. Um tecido que está canceroso, provocado pelos atentados ambientais, que representam um perigo mortal para Gaia, mas que ainda pode ter cura.
Se soubermos usar sabiamente o potencial intelectual que ela nos propiciou, assim como a fantástica tecnologia que daí resultou, poderemos até assumir o controle de Gaia. Sistema nervoso ela já tem, seríamos a massa cinzenta do seu cérebro…..Mas o conteúdo deste fluxo nervoso teria de mudar, se conseguirmos esquecer as nossas querelas, acabar com a prostituição da Ciência para a demolição da vida e para os delírios da corrida ao armamento….., se conseguirmos colocar o nosso génio em ressonância com Gaia, só o futuro poderá dizer das alturas alcançáveis.
Este é um momento decisivo na vida de Gaia. Se continuarmos a cacofonia actual, o desastre será total para nós. Talvez nem tanto para Gaia, que tem muitos recursos e muito tempo. Com novas formas de vida, das quais possivelmente não fará parte a humana, encontrará uma saída.
Sobram-lhe ainda uns cinco biliões de anos até que o Sol, em sua última fase evolutiva, venha a expandir-se até aqui antes de apagar-se lentamente. Gaia será reciclada nos gases incandescentes do Sol, assim como cada um de nós seremos reciclados no solo. A vida no planeta, por depender do Sol, extinguir-se-á daqui a dois milhões de anos.
Mas como não acredito na extinção da vida, esta muito antes de atingir o seu limite, evoluirá para outras formas, indo fazer parte dos ecossistemas de uma outra qualquer Gaia no Universo. Será um processo sem fim, porque conhecermos o fim era implicitamente conhecer a sua origem.
Mas enquanto isso não acontece, temos de nos contentar com o que temos, e devemos preservar todo o equilíbrio do ecossistema, para não sofremos as consequências da sua degradação.
Que tipo de clima vamos ter dentro de cem anos, tempo que os cientistas actualmente estimam para o desaparecimento das calotes polares, provocado pelo aquecimento, consequente do efeito de estufa? Quem consciente ou inconscientemente não atenta contra os ecossistemas?
Lembram-se do texto que publiquei em Junho, Planeta azul, que futuro? Houve quem achasse que eu estava a exagerar.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Noite mágica

Há quem não acredite em magia, por esta pressupor algum truque enganador que nos apresenta uma realidade que é falsa. Se no circo isso acontece já o mesmo não posso dizer no jantar que realizámos no passado dia 15 de Outubro. Foi uma realidade mágica.
Quando estamos em frente ao computador, lendo e comentando os textos publicados, não fazemos a mínima ideia de quem está do outro lado, limitamo-nos a imaginá-lo.
A nossa imaginação é tanto mais fértil, quanto o agrado dos textos que lemos, e em muitos casos, pela qualidade destes, ela além de grande, deixa-nos o um desejo implícito de conhecer os seus autores.
Na sociedade em que vivemos, em que muitos querem conviver mas poucos o fazem, esta oportunidade, que me pareceu ser partilhada por todos, foi a Távora Redonda como diria o Fernando, não de qualquer reunião mundana, mas onde as ideias, as empatias e afinidades se sentaram.
Com a presidência não do rei Artur, mas do Merlin, pois a noite era de magia, sentaram-se à mesa os Cavaleiros das Letras. Uns já conhecidos pelos seus feitos e presenças anteriores, outros que pela primeira vez emprestavam a sua dignidade à reunião com as suas demandas e outros ainda, os recém armados cavaleiros no reino virtual da blogosfera.
Todos estavam ansiosos de se conhecerem, narrarem as suas façanhas e ouvirem a narração dos outros.
Toda a cavalaria participou activa e entusiasticamente, onde a narração inicial, depressa deu lugar ao debate de ideias, à troca de experiências e até de algumas confidências, passando o reino de virtual a real. Isto era a magia da noite.
Tive imenso prazer em conhecer estes cavaleiros e os seus feitos, gente aguerrida e coerente onde o seu Graal lhes compassa a vida. Nem com todos tive a oportunidade de conversar, desejo não conseguido, pois o inimigo comum, o tempo, ganha sempre a batalha. Mas se a fala, nestes casos, se ficou pela expectativa, já o mesmo não aconteceu com a companhia que foi por si própria, uma coisa magnífica.
De magia em magia, com o decorrer da noite, a empatia ia trespassando todos, motivando os menos expressivos e empolgando os outros, saciando curiosidades, descobrindo segredos e partilhando experiências.
Apesar do tempo ter ganho a batalha, demos-lhe luta renhida, o convívio durou até às quatro horas da manhã, não sem antes um dos cavaleiros, no meio do entusiasmo geral, propor a formação de uma Ordem.
Conscientes de corresponder ao anseio de todos, eu, o pajem e o Fernando, o Merlin, vamos continuar a organizar mais Távolas Redondas, com uma periodicidade mais curta, do que tem acontecido até aqui, para as quais deixamos já o convite a todos vós.
Oportunamente o arauto dará notícias.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Os Neanderthais


Entre os seres que compõem a filogenia dos ancestrais humanos, o Homo erectus, merece um lugar de destaque. Proveniente das populações Homo habilis, a primeira espécie a construir ferramentas, não só tornou estas mais sofisticadas, como foi o primeiro ser a dominar o fogo.
Existiu há cerca de 1,6 milhões de anos em África, de onde migrou para a Europa e Ásia, espalhando-se também por toda a África. É o primeiro emigrante da nossa existência. É ele que irá dar origem a todas as raças existentes. Viajou durante um milhão de anos, adaptando-se à variedade de ambientes do mundo descoberto.
O Homo erectus apresentava um crânio com grossas paredes e um volume cerebral entre 900 e 1200 cm3, representado um aumento de 50% em relação ao Homo habilis, 500.000 mais antigo. Por cima dos olhos há uma grande e proeminente sobrancelha enrugada. O dimorfismo sexual deixou de ser tão acentuado, rondando os 80%. Há evidências de o aparecimento das primeiras estruturas sociais.
Durante a sua evolução Homo erectus subdividiu-se, conforme o estágio evolutivo alcançado, em várias espécies paralelas, sendo a do Homo heidelbergensis, nome dado por o seu fóssil ter sido encontrado perto de Haidelberg, na Alemanha que povoará inicialmente a Europa , e dará por sua vez, origem ao Homo Neanderthal.
Se a Natureza prega partidas, uma das suas maiores foi pregada ao Homem de Neandertal que tão perto ficou de ser um Homo sapien sapiens. Viveu na Europa durante cerca de 300.000 anos, suportando as condições climatéricas horríveis das glaciações. Foi um exímio caçador, é o primeiro a enterrar os seus mortos, o que denota já o princípio da piedade e também o primeiro a apresentar, ainda que rudimentar, a primeira forma de linguagem.
Porquê lhe foram negados pela Natureza os genes que o tornariam senhor da Terra? A esta pergunta, os cientistas ainda não encontraram a resposta.
Tinham os corpos atarracados para diminuírem as perdas de calor, mas de condição física muito robusta, a sua altura média oscilava entre 1,50 e 1,70 metro. O rosto em forma de “focinho” era para evitar ulcerações pelo frio, as narinas largas para facilitar a respiração, no meio frigido em que vivia. Já protegia o corpo com um vestuário rudimentar, formado por peles de animais, não cosidas, pois ainda não tinha sido descoberta a agulha. Se encontrássemos hoje em dia um Neandertal vestido na rua passaria despercebido como se um de nós se tratasse.
Viviam em pequenos grupos sociais, e usavam o fogo para se aquecerem. Em algumas cavernas o chão era constituído por espessas camadas de cinzas comprimidas. As suas lareiras eram simples parecendo-se mais com fogueiras. Também construíam abrigos com estruturas de madeira ou ossos cobertas com peles de animais
Viviam exclusivamente da caça de animais de grande porte, o que os levou a apurar o sentido de entreajuda e das estratégias usadas. Eles tinham de competir pela comida com outros predadores como grandes lobos, hienas etc. no inóspito ambiente da Idade do Gelo.
É com os Neanderthais que os humanos começam e enterrar os seus mortos, colocando-os na posição fetal acompanhados com as ferramentas e comida, escavando sepulturas e decorando-as com flores Estas práticas obviamente sugerem complexas crenças e rituais. Tratavam dos doentes e dos fracos. Evidências encontradas em alguns fósseis, mostram fracturas ósseas em indivíduos que sem ajuda não teriam podido sobreviver.
Eles tiveram, claramente uma vida muito difícil. Para os que chegassem à idade adulta a esperança média de vida era de 30 anos
A extinção dos Neandertais é algo que ainda não está completamente explicado. As várias teorias explicativas do desaparecimento destes homens baseiam-se na coexistência. A sua substituição por outra população, tendo em conta o tempo que demorou o seu desenvolvimento, pode ser considerado “abrupta”. É possível que o Homo sapiens sapiens, proveniente do Médio Oriente, tenha esmagado os Heandertais com as suas técnicas inovadoras. Mas disto não há provas e não foram encontrados vestígios de genocídio.
Há cientistas que defendem a hipótese da fusão genética, ou seja, para eles houve um inter cruzamento entre Homo sapiens sapiens e Neandertais e que os genes neandertalenses ainda se encontrem nos europeus de hoje.
Outros são da opinião que os Neandertais ter-se-iam isolado e praticado uma forte endogomia, levando ao enfraquecimento do grupo e consequente degeneração da espécie.
Outros ainda, apologistas da emigração, são da opinião de que parte deles teriam alcançado a Sibéria e aí se teriam perpetuado nas populações primitivas existentes.
O arrefecimento da temperatura pode ter sido um factor importante que levou ao refúgio e isolamento no Sul da Espanha e sudoeste português, onde foram encontrados os seus mais recentes vestígios.
Seja qual tenha sido o seu destino não invalida a sua falta de aptidão para ser um Homo sapiens sapiens. Ou desapareceram completamente, como opinam alguns cientistas, ou sobreviveram na mescinelização com o Homo sapiens sapiens. Talvez esta última hipótese justifique tão grandes diferenças intelectuais, por vezes existentes entre os homens modernos, mesmo da mesma raça.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Hoje a minha mulher faz anos

Hoje é o aniversário da Teresa ou Stillforty do Dançomania e do Da Outra Face do Espelho, são a mesma pessoa.
Ambas são a prova evidente da sensibilidade e de uma maneira de estar na vida, onde os amigos são a essência.
Conheci esta Senhora com S grande há cerca de 45 anos, quando depois da troca de olhares de consentida cumplicidade, uma noite atravessei o café, da minha mesa à dela, onde se encontrava com a mãe e as amigas, e perante o espanto de umas e os sorrisos nervosos de outras, apresentei-me e pedi licença para me sentar na sua mesa.
Sentei-me e nunca mais me levantei até hoje.
Um grande beijo para ti.

terça-feira, outubro 04, 2005

Lembranças XVI

Na hora das visitas estávamos sempre presentes no serviço, para prestar qualquer informação sobre o estado dos doentes aos seus familiares. Nessa tarde encontrávamos na gabinete médico em amena cavaqueira, ou melhor, ouvindo as histórias de África que o sargento chefe contava, pois no dia das visitas não arriscava a sair mais cedo, não fosse haver alguma visita indesejável.
O Victor e o sargento estavam sentados nas suas secretárias, eu numa cadeira e o Galrinho de pé encostado a um armário. Estávamos tão entusiasmados a ouvir o sargento, que não nos apercebemos de que alguém, em silêncio, estava à porta olhando para nós, na esperança de ser visto.
Como tal não acontecia, anunciou-se com um tímido boa tarde. Olhámos para a porta, e vimos uma bonita rapariga com um ar provinciano que o cabelo apanhado atrás, em forma de carrapito, lhe dava. O Victor com um sorriso retribui-lhe o cumprimento, perguntando o que desejava.
Queria saber qual dos senhores é o enfermeiro Galrinho, respondeu com a voz um pouco trémula, denotando pouco à vontade na pergunta. Após um curto silêncio, ouviu-se o vozeirão do procurado, sou eu, deseja alguma coisa?
A pergunta não teve resposta, mas a rapariga entrou no gabinete, e com um passo decisivo, quase em corrida, aproximou-se do Galrinho, olhou-o de frente por um instante e em seguida abraçou-o e deu-lhe um demorado beijo da face, perante nas nossas caras de parvos incrédulos.
Não menos surpreso ficou o Galrinho que só não recuou porque tinha o armário atrás dele. Não articulou uma palavra, mas os seus olhos reflectiam a pergunta, a que devo tamanho beijo?
Afastando-se e desprendendo os braços dele, com a voz de quem tinha conseguido algo muito querido, explicou a sua atitude. Sou a noiva do José Miguel, quero muito agradecer-lhe as lindas cartas que me escreveu. Fez-se luz, e o Victor num repente exclamou, é a miúda do Zé Migalhas, ela olhou para ele e com um aceno de cabeça e um sorriso confirmou.
O Galrinho recomposto da situação, e com a lata que lhe era habitual, respondeu-lhe. Se eu soubesse que as cartas eram dirigidas a uma menina tão bonita, ter-lhe ia mandado rosas com as cartas. Ela roborizou um pouco e baixou a cabeça. Ele apresentou-nos e em seguida deu-lhe o braço, dizendo, vou levá-la à enfermaria.
Zé Migalhas era o nome porque era conhecido o José Miguel, aquém nos períodos de maior infortúnio e desânimo, o Galrinho escrevera por ele e de cumplicidade com toda a enfermaria cartas à namorada. O envolvimento dos outros doentes, que ao princípio era feito com algumas grosserias, acabou por se tornar no desejo daquilo que cada um gostaria de dizer à sua própria namorada, tendo como resultado algumas belas cartas de amor.
A primeira vez que vi o Zé Migalhas tinha acabado de chegar da Alemanha, onde havia sido submetido a uma operação à coluna vertebral. Era frequente os feridos paraplégicos com alguma probabilidade de recuperação irem à Alemanha para serem submetidos a uma intervenção cirúrgica na coluna.
Quando regressavam e com sucesso na intervenção, tínhamos de tentar a sua recuperação. Não é nada fácil recuperar paraplégicos, especialmente quando se encontram de tal modo deprimidos, e se abandonam à resignação do seu estado. Psicologicamente, a sua comparticipação na recuperação, só é possível quando conseguem uma primeira vitória, por muito pequena que seja.
O Galrinho fazia os possíveis e os impossíveis, mas nada resultava, pois o Zé além de não colaborar, estava resignado ao seu estado, passando os exercícios a chorar e a insultar o Galrinho por este o forçar a fazê-los. Esta era a cena diária do desespero de quem quer ajudar, sabendo das possibilidades do êxito, e de quem não quer ser ajudado, desiludido, e resignado, não acreditando na recuperação, que o resto dos doentes da enfermaria assistiam.
Um dia, quando o Galrinho ia começar os exercícios, um grupo de doentes aproximou-se da cama do Zé e pediu autorização para serem eles a tentar. Como perdido por cem perdido por mil, o Galrinho autorizou.
Os exercícios foram abandonados para darem origem a uma terapia de choque, de choque porque foi mesmo chocante. O Zé estava paraplégico da cintura para baixo, sem conseguir fazer qualquer movimento com as pernas ou os pés.
Os camaradas de enfermaria, colocaram então no chão uma toalha onde puseram o prato da comida, o pão e o vinho, como de uma mesa se tratasse. Encostado à cama fizeram um tapete com as almofadas e disseram-lhe: queres comer? Vai comer ali, apontando o lugar onde tinham improvisado a mesa no chão, em seguida voltaram-lhe as costas e foram-se embora.
O Zé depois de ter verificado, que a sua gritaria ao fim de dois dias não tinha sortido efeito, cheio de fome, rebolou para cima das almofadas e arrastou-se muito penosamente até ao prato. Ninguém da enfermaria o ajudava, só quando acabava de comer é que o voltavam a por na cama.
Descrever todo este “cruel” processo seria longo e fastidioso, mas culminou com a saída do Zé para ir gozar uma licença de convalescença, pelo seu próprio pé, apoiado numa bengala e de braço dado com a sua noiva.
Foi uma saída comovente, todos os colegas da enfermaria que podiam, acompanharam-no até ao portão do hospital. Se era uma grande vitória do Zé não o era menos da camaradagem.